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Por Rodrigo Waldorf
A cantora e compositora norueguesa Aurora Aksnes, ganhou grande reconhecimento por seu single “Runaway” viralizar no TikTok, e por sua participação em “Frozen 2” da Disney. No entanto, AURORA já entregou grandes trabalhos em sua carreira, como os discos “All My Demons Greeting Me As A Friend”, “Infections Of A Different Kind – Step 1″, e “A Different Kind of Human – Step 2”.
Através da sua voz penetrante, AURORA nos faz percorrer o conceito de cada um de seus álbuns:
Em seu primeiro disco, entendemos quem são os nossos demônios – as partes mais obscuras que possuímos e temos medo de revelar – e como as experiências ruins que tivemos no passado podem se tornar boas memórias. É o ato de perdoar o nosso passado, e seguir em frente. Já em seu segundo disco (dividido entre Step 1 e 2), a cantora nos encoraja a olharmos para dentro de nós, e acharmos a nossa própria força para nos tornarmos os nossos próprios guerreiros. Essa etapa culmina no Step 2 onde, uma vez que aprendemos a lutar por quem somos, precisamos usar a nossa força para lutar por aqueles que ainda não podem. É sobre lutar pelas minorias, pelo Planeta em que vivemos. O Step 1 nos pedia um olhar para o Interno, e o Step 2 nos pede um olhar para o Externo.
Três anos após o lançamento do último álbum, AURORA está de volta com o álbum que carrega o conceito mitológico grego, “The Gods We Can Touch”.
The Gods We Can Touch
— AURORA (@AURORAmusic) October 14, 2021
From the light that rests within us
To the darkness that exists around us
Soon the embodiment of it all
Will rest in your hands. And hopefully touch your souls
………………21.01.22……………..
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AURORA abre o primeiro ato do álbum conduzindo o ouvinte pela história que ela está prestes a contar através de vocalizes harmoniosos, delicados e sombrios. Quase como a abertura de um espetáculo teatral, “The Forbidden Fruits Of Eden” dá a deixa perfeita para a próxima cena iniciar, dando o pontapé inicial na narrativa dos Deuses e Deusas da mitologia Grega que iremos encontrar nesta jornada. O violão orgânico de “Everything Matters” cria a atmosfera cativante quando se encontra com o piano clássico e os sussurros afiados da cantora Norueguesa, quase como se ela quisesse contar um segredo. Com referência a Atlas, Deus da resistência, à faixa confronta as pequenas belezas da vida que perdemos em nossas vidas tão aceleradas.
“Giving In To The Love” é a primeira faixa mais bombástica com sintetizadores e bateria eletrônica que nos é apresentada, onde a cantora faz uma menção honrosa à Prometeu – Deus do fogo e mestre artesão – como ele supostamente criou os humanos em argila, e roubou o fogo dos Deuses para nos dar a Vida. A faixa fala com o conceito de beleza, como ninguém é perfeito e como frequentemente sentimos que precisamos ser. Por fim, a canção questiona a atual obsessão dos humanos por beleza, e a consequência dos padrões de beleza impostos pela sociedade com a frase “se eu nunca tive o mundo, então por que mudar por ele?”, chegando na resolução de nos fazer lembrar do fogo que há dentro de nós – em nosso eu-interior – e a parte mais bonita do ser humano que é a capacidade de amar, e o que realmente precisamos, é o amor.
Inspirada na Deusa da cura – Panacéia, “Cure For Me” é a faixa que desfruta do uso de sintetizadores, se tornando a mais pop e energética do álbum, onde AURORA fala sobre se libertar das expectativas dos outros, não ter vergonha de quem você é, e ser livre para isso. A canção foi escrita criticando a prática de “terapia de conversão” para pessoas da comunidade LGBTQIA+ que ainda é legalizada em alguns países.

“You Keep Me Crawling” é uma mistura interessante em sua sonoridade e letra. A faixa que parece que ao mesmo tempo que te convida para dançar com seu tom de sensualidade, é a mesma que vai te apunhalar pelas costas. A constante busca por aprovação – e aqui entra o questionamento do poder que damos ao outro sobre nós – soa quase como um suplico, como uma tentativa desesperada de se libertar. Por fim, ela realiza que a entrega ao amor não deve ser dolorosa, ela deve ser libertadora, e nos faz entender que o nosso amor (próprio) é a chave para isso. “Giving into love should never hurt for me/Giving into love should set me free”. Nesse ponto temos um primeiro ‘click’, fazendo citação à faixa três (Giving In To The Love), e dando início à “Exist For Love” onde temos a representação do amor como algo espiritual – é a sua entrega ao amor verdadeiro, ao amor que nutre, que pertence. É a sua realização daquilo que foi mencionado na faixa três, é a realização de existir para o amor. Apesar de ter sido lançada em maio de 2020, a faixa soa fresca na junção do álbum, e certamente se caracteriza por transportar o ouvinte à uma etapa etérea da jornada. É o alívio após a dor de “You Keep Me Crawling”.
O que soa como o final do primeiro ato deste grandioso espetáculo teatral, “Heathens” provoca AURORA a se retirar da sua zona de conforto, tanto liricamente quanto em termos de sonoridade. A faixa sombria, forte e feroz explora o nosso livre arbítrio, a liberdade de vivermos de acordo com o que escolhemos, a liberdade de explorar, de provar todas as nuances da vida. “Heathens” honra as mulheres que desafiaram, que lutaram e que conquistaram a liberdade que elas hoje, possuem.
Com elementos sonoros ritualísticos – honrando os povos pagãos que muito desafiaram a sociedade, as formas de poder religiosos atrelados à ela, e se mantiveram fortes perante às suas próprias vontades, “Heathens” é um dos pontos mais altos do álbum e encerra com maestria essa primeira parte da jornada.
the demons have come to infect our kind. the gods await to ignite my mind.
— AURORA (@AURORAmusic) January 19, 2022
🩸21.01.22🩸
… are u ready, warriors?https://t.co/LAhv1EYAmR pic.twitter.com/wJJ5BwzA0Z
A segunda metade do álbum começa com “The Innocent” onde diverge sonoramente de tudo o que nos foi apresentado antes. Com uma melodia repetitiva, e o desejo de explorar, a faixa introduz muitos elementos ao mesmo tempo – e talvez este seja o seu erro – resultando em um final completamente atordoante.
A quebra brusca se dá com o início de “Exhale Inhale” que vem para acalmar o coração e a mente com murmúrios harmônicos da cantora. Fica claro o amadurecimento de AURORA que explora muito do folk na sua sonoridade, diferentes gêneros, e que envolve o ouvinte mais uma vez em seu storytelling. A faixa vai construindo seu espaço com delicadeza e maestria, te engolindo em meio a divisão de voz que ressoa como a união perfeita de gelo e fogo. Uma das canções mais imersivas e poderosas do álbum, “Exhale Inhale” é certamente um destaque não só de “The Gods We Can Touch”, mas como da carreira da AURORA.
“A Temporary High” é uma explosão com sua sonoridade e batidas metalizadas – diga-se de passagem, nostálgica do New Age de “a-ha” dos anos 80 – que dá cor a história que está sendo contada. Em contraponto, “A Dangerous Thing” constrói um cenário obscuro e profundo através da melodia e da voz de AURORA. Liricamente, a cantora utiliza a referência de Peitho – Deusa da Sedução e Persuasão – para explorar a feiúra da vida e como ela muitas vezes é disfarçada pela beleza. Ela usa a metáfora para exemplificar o comportamento abusivo em relacionamentos escondidos atrás da sedução – que muitas vezes o que pensávamos ser bom para nós, na verdade é destrutivo -, e que tendemos a voltar a ele por que pelo menos, é familiar. “Something about you is soft like an angel/ But something inside you is violence and danger/I knew from the moment we met. you are a dangerous thing.”
Com os floreios do Bandoneón de Per Arne Glorvigen, “Artemis” – Deusa da Caça, soa como uma pintura medieval, que o transcende com um mix de sensualidade e horror, e vai crescendo até encerrar com o que mais se parece um grito de guerra “I always wondered why they all came back for more”. Esse grito de guerra e o cenário medieval perduram em “Blood In the Wine” onde AURORA definitivamente atinge o seu auge em “The Gods We Can Touch”.

Todo o espetáculo vai chegando ao fim com “This Could Be A Dream” onde AURORA nos recebe com vocais suaves e cordas orquestrais. Apesar de ser agradável, a faixa não chega a ser morna – e até causando um estranhamento quando colocada ao lado das fortes personalidades que as outras faixas possuem.
Encerrando a jornada mitológica que AURORA nos proporciona do decorrer do álbum, “A Little Place Called The Moon” é apresentada quase como um presente. A faixa que carrega grandes influências de Enya, explora um ritmo mais lento e experimental, preenchida com vocalizes angelicais que nos elevam à um toque com o divino, fechando essa experiência que percorre o mundano e o etéreo, chamada “The Gods We Can Touch”.